domingo, 8 de fevereiro de 2009

O Trem (e os pensamentos que você deixou correr)

O trem usa linhas, corta espaços e costura vidas. Todavia pairam no ar, entre indagações metafísicas e curiosidades infantis, ecos livres e ocasionais solfejando duas perguntas:
- Quem será que dirige o trem? Quem sabe o que vem?
Eu procuro destinos que adormecem na viagem e realidades que terminam quando acordo...
O barulho nostálgico e incômodo faz-se importante. Faz-me falar mais alto com meu melhor amigo ao lado, expressando em tons metálicos e foscos a velha teimosia em partilhar de palavras corriqueiras ou especiais.
Agora esse rito precisa de mais um componente material para alcançar hermeticamente sua plenitude final:
- Ecce Homo! Eu penso tão forte que quase sai um berro de dentro da cuca. Peço balas de sabores sortidos com um gesto. Sem meu oportuno fornecedor esta trilha seria bem menos aprazível. As moedas passam a diante: de minha mão para a economia informal. Elas sustentam este mundo e endossam suas traições.
Penso no futuro e lembro que ela gosta de jujuba. Quem é ela? Se eu contar esse trem pode descarrilar... Escrever muitas vezes é o mesmo que fazer denúncias. Por falar em denúncias, tenho uma pequena ferida nova para tirar casquinha: agora pouco constatei um fato curioso sobre nossa moralidade generalizada. Estava olhando uma senhora com sua filha à minha frente. Elas eram bem pobres. Sorri para menina e ofereci uma bala. A criança espontaneamente esticou a mão e sua mãe esticou a língua:
- Ela não quer nada! Disse bruscamente.
Fiquei muito puto.
Demorou... mas entendi: temos mais vergonha de um sorriso que de uma mentira. Menos vergonhas que sorrisos. Mais mentiras que vergonhas.
O trem chega à estação e estou são e salvo das verdades que expus aqui. Fecho meu caderno abrindo a percepção às linhas que prestei mais ou menos atenção, aos espaços que percorri enquanto estava parado e às vidas que estão costuradas à minha própria...

Adivinhe só quem está contando...

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