terça-feira, 7 de julho de 2009

Deus Ex Machina parte 1: A Essência deixa de Existir.

Apesar de não ser capaz de ouvir sua própria voz, Zeca notou uma vibração daquilo que achava ser sua vontade em funcionamento e percebeu que ainda era capaz de se expressar: de ser a persona, o arquétipo, a sizígia e a sombra, atuando e sendo o expectador daquele teatro de oscilações para si mesmo. Não se pode afirmar se eram palavras, pensamentos ou imagens que se seguiram nesse episódio e, se ele havia ocorrido em algum lugar que não fosse a psique do menino perdido, assim, ele falou, como um condenado:

Sabe, a arrogância sempre fez de mim um evoluto auto-enganadiço. Aquele do tipo indefinível em termos sociais. Uma piada ambulante para cada babaca que me julgava com seus padrões limitados.
Mas foi sozinho, senhoras e senhores escondidos por aí, na tocaia idílica de meus dias, que percebi qual era meu próximo passo. Com uma pequena memória, que elevei a inequação de insatisfação e incompletude de meu próprio universo a outro nível imaginário.
Concluí que foi abandonando a Unidade que passei a Existir e, por perseguir as sombras do primeiro amanhecer das idades, que manifestei meu inferno branco: essa artimanha em que estou me divertindo nesse momento. A excelência dessa arte é deleitosa, especialmente, aos mártires contraditos: pura jouissance escorrendo das abóbadas celestiais, diretamente para a boca e as feridas dos seres orgulhosos.
Deixe-me descrever como funciona essa preciosa engenhosidade, que um dia pode ser toda vossa: imagine, dentro de si, espelhos reciclando movimentos, espectros e luzes embriagadas. Pense nos paradoxos que florescem como fractais errantes, reproduzindo-se híbridos e incoerentes. A lógica das mentes mundanas jamais não resistiria a este ardil surrealista. (A platéia oculta torce o nariz.)
É uma perfeita imitação da técnica elementar do velho-novo ilimitado, – aquele que não podemos mais contemplar por nós mesmos – para extraviar, dos livres até os mais isolados dos seres, que insistem em perseguir seu rastro. A alvura hipnótica deste cenário pode trazer à tona recordações instigantes como açúcar e sal refinados, giz tóxico ou cocaína de boa qualidade. Enfim, qualquer um desses pode destruí-lo, mas, não com tanto estilo quanto minha opus aniquiladora. Agora, estou dentro dela e ela, ao que tudo indica, está dentro de mim.

Neste ponto, cada linha traçada por Zeca em seu discurso ganha autonomia, passa a zombar dele...

Ainda sou um dependente adolescente da arrogância: uma limitação que sempre foi minha maior força. Mas preciso exaurir essa dinamicidade disfarçada de capacidade de superação. Na verdade, existimos em autarquia cósmica. Nosso heroísmo reside em sair e dizer aos outros multiversos transeuntes: estamos todos livres, pessoal. Vocês não devem ficar esperando nenhuma ajuda externa para alcançar a liberdade. Ela é parte de vocês desde sempre. Unam-se, e essa pequena disciplina de aceitar os outros nos lembrará daquilo que sempre fomos: A Essência.
Comecei uma revolução achando que mudaria algo além de mim mesmo... É uma merda admitir que eu estivesse errado. É uma merda admitir que no caminho da transformação a primeira coisa a se fazer é despir-se do próprio eu e desistir de ser algo para o mundo inteiro. Minha angústia residia no medo de ser subjugado por alguém e minhas reações violentas no desespero de ser vencido. Essa paranóia me trouxe até aqui. E é aqui, ela que acaba, onde não é exatamente um lugar.

Risos e Aplausos amiúdes enlaçam-se como dia e noite.

A voz, dizendo para eu mesmo que estou livre ao descortinar uma confortável ausência de tudo, me atinge. Não é a morte, tenho certeza. A morte já passou e levou daqui o menino José Carlos Severino Pinto. Só restou um ser livre daquela identidade fadada à destruição. Já foi tarde, pesadelo vestido de Deus. Melhor aparecer uma ameaça Original a partir de agora...

Com um eclipse de consciências, o ator atinge a catarse ao apagar as luzes do palco.

Senhoras e senhores, quando eu sair daqui, acredito piamente que algum de vocês vai publicar toda essa saga para mim. É hora de começar a editar essa história.

Adivinhe só quem está contando...

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