terça-feira, 4 de novembro de 2008

Aulas e Zombarias parte 2

Aulas e Zombarias parte 2

A turma começou a gargalhar histericamente. Todos já estavam rindo e cochichando baixo no começo da leitura do aluno novo José Carlos Severino Pinto.
Zeca era o tipo esquisitão da turma: paraibano, baixo, feio, inteligente e calado. O tipo de pessoa que você ignora ou não prestaria atenção, por ele não estar tentando compra-lhe com discursos consumistas ou materialismo disfarçado com peles de romance. Era um portador de mensagens corrosivas, ávido para atacar e começar sua jyhad contra a falsidade social, mas na maioria do tempo era um transgressor silente do estático complexo de bem-estar. Através de suas notas pessoais cheias de rabiscos e caricaturas de todos que odiava, seria possível obter um contundente dossiê de denuncia e revolta. Naquele episódio surpreendera todos na sala quando esqueceu o nome do medo para ler seus posicionamentos cheios de sotaque sobre a história de seu país em tom sério e sem cortes.
Seu lar desfeito e pobre tinha criado silêncio ermo no seu âmago, mas, o efeito colateral era evidente naquele momento: todo tempo livre que tinha, esteve lendo, escrevendo, assimilando e correlacionando coisas aleatórias na caxola. Como lia de tudo, prometeu que escreveria de tudo também o mais rápido possível. Falaria de rapadura com mofo e do Raio de Schwarzschild num mesmo discurso.
Quando fugiu para o Rio de Janeiro, numa madrugada qualquer dentro das cargas de um caminhão, quase foi violentamente censurado pelo dono do veículo quando descoberto. Por fim sua inteligência e lábia conquistaram o caminhoneiro solitário.
Ele tornou-se seu ajudante e depois de um acordo escuso uma diretoria de escola pública conseguiu uma matrícula falsa num brisolão e num novo endereço. Havia uma estranha harmonia simples entre os dois. Ele cuidava da casa e se virava com uma grana enquanto o seu novo amigo ia ser explorado pelas empresas pagam frete pelo Brasil e nas férias viajavam juntos.
Como uma estátua de expressão neutra e distante lá estava ele. O professor de história que havia feito o pedido para aquele texto estava mudo e absorto, tentando, até então sem nenhum êxito, conceber aquela cena atípica numa sala de aula. Quando fez um sinal para o menino se sentar, ouviu, após o consentimento do rapaz, mais algumas palavras de indagação agora, em decibéis de grito adolescente, no meio do percurso:
-Ei, eu quero uma resposta. De qualquer um de vocês... Como fica ESSA PORRA que eu joguei na cara de vocês?

Infelizmente além de toda a turma e do professor, alguém da coordenação ouviu a mesma pergunta e não gostou muito do silêncio posterior. O tumulto foi resolvido com uma suspensão do aluno José Carlos. Seu responsável seria, em vão, notificado e muito daquele ocorrido seria esquecido com exceção, é claro, do nome do aluno.

5 comentários:

Jonatas Tosta disse...

Ferrou, amigo Zeca! Vai ser expulso! rsrs

Está aqui a explicação de toda agressividade adolescente (apesar de na maioria das vezes nem haver explicação conivente) e gostei. Não sou hossexual, mas essa "porra" jogada com veemêcia no meio da minha cara me chocou. E sabe de uma coisa, eu gostei.

Já estava na hora de alguém deixar de ser legal e falar a verdade (você me entende, não é amigo); de um jeito que me fizesse perceber as feridas podres que o FlaFlu dos fins de semana me ajudaram a esquecer.

As pessoas adoram falar de forma culta sobre demônios, mas odeiam quando o próprio lhe acariciam o reto com gulosas bordoadas.

Adorei!D

Anubis Vira Lata disse...

Extremamente poético, cheio de metáforas e simbolismos mórbidos.
Mas como sou extremamente crítico, ainda mais se tratando de poesia, também diria que há muita influência de Augusto dos Anjos em algumas partes.
Zeca é o noso mais novo herói!
"Falaria de rapadura com mofo e do Raio de Schwarzschild num mesmo discurso."

Eu diria: - no mesmo verso.

Anubis Vira Lata disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jonatas Tosta disse...

AMÉM!!!!!!!!!! rsrs

Rodrigo Guedes Barboza disse...

Muita gente gosta de se classificar como rebelde (alguém aí mencionou os emos... não, acho que foi so impressão), mas quando surge alguém com fibra para falar o que realmente importa todos sentem-se ultrajados. A verdade é a arma mais brutal que há.

Adivinhe só quem está contando...

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